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Grupo Cinema

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Arte & Ensino

Como a arte contribui para o ensino?

 

O cinema a serviço do ensino

Por Alyne Rehm, Cristiane Alves e Washington Luís Prudêncio

 

 

 

 

 

 

Cinema na escola : enriquecimento possível

 

 
Cristiane Alves*

 

 

Mais do que ampliar as possibilidades de discussão acerca de um determinado conteúdo, as imagens cinematográficas possibilitam confrontar o imaginário de cada aluno, com o que está traduzido na tela, da mesma forma que se torna possível confrontar a visão do autor, o que ele quis dizer, com a visão de cada espectador diante das imagens exibidas.

Ainda, a impressão dos alunos ao assistir um determinado filme na escola não será a mesma que teriam ao assisti-lo em casa, ou no cinema, uma vez que no ambiente escolar as suas opiniões, as suas reflexões acerca do filme, serão permeadas por outras influências que não somente as suas vivências, o seu imaginário, as suas análises diante da tela.

Quando o filme é assistido em companhia do professor e em contato com os colegas, é possível, no final, abrir espaço para a conversa, para o debate acerca do(s) tema(s) que o filme aborda, provocando o questionamento, incitando a argumentação e a reflexão acerca de um determinado assunto ou de vários assuntos, de acordo com os acréscimos que cada aluno trouxer, a partir da(s) sua(s) interpretação (es) do filme.

Além disso, motivos para recorrer ao recurso cinematográfico não faltam: desde o mero entretenimento, até a busca por novas linguagens, por novas visões de mundo, ou mesmo como suporte no aprendizado de determinado assunto ou aspecto abordado em sala de aula.

No caso do ensino de literatura, entre outras, o filme torna-se um forte aliado, principalmente para aqueles alunos que não são exatamente ‘apaixonados’ por livros. Não raras vezes, vendo o filme e discutindo a respeito, acaba por gerar não somente simpatia pelo tema, mas curiosidade, desejo de ler aquele livro que, a princípio, não parecia muito atraente mas, uma vez proposta a discussão, desperta no aluno o desejo de verificar o que foi visto, o que foi debatido, levando-o a ler o livro como uma espécie de desafio ou investigação, para confirmar se o conteúdo do livro é o mesmo, se a adaptação foi fiel, se as informações do professor procedem, etc.

Seja qual for a motivação, é sempre uma boa oportunidade de enriquecimento que o professor pode e deve proporcionar aos alunos, não somente como meio de aprendizado, mas como forma de interação, capaz de ampliar o debate, o espaço discursivo/reflexivo em que cada aluno será peça fundamental, posicionando-se, contribuindo, construindo conclusões e não apenas recebendo respostas prontas.

A interação, aliás, pode começar ainda no momento de escolha do filme, trazendo para a sala de aula a discussão acerca dos filmes disponíveis no mercado e qual seria a melhor opção, de acordo com os temas a serem abordados. Trata-se de uma boa oportunidade para estimular a participação dos alunos, o seu auxílio na seleção e, conseqüentemente, despertar o seu interesse para os conteúdos/assuntos que serão trabalhados.

Também, se o tempo de aula é insuficiente para exibir o filme todo, pode-se dividi-lo em partes, ou utilizar somente alguns trechos, de maior relevância. Outra opção interessante seria conversar com professores de outras disciplinas, sugerindo que se aproveite o filme como um elemento de interdisciplinaridade, o que possibilitaria um maior espaço de tempo para a exibição, bem como uma ampliação da discussão.

E se a escola não dispõe dos equipamentos necessários para a exibição do filme? Bem, neste caso recorremos à antiga frase “se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé”, ou seja, se não é possível levar o cinema à escola, levamos a escola ao cinema, seja aproveitando os descontos para estudantes e professores, seja recorrendo ao apoio da comunidade, ou organizando alguma gincana ou festa na escola, a fim de atrair recursos. O que não podemos é apegar-nos aos empecilhos como desculpa para travar o conhecimento, deixando de utilizar este recurso tão rico e estimulante que é o cinema. E viva a arte!

 

 

 

 

*Graduanda do Curso de Letras – Português/Inglês. 8º semestre.

 

 

 

 

Certezas Provisórias Dúvidas Temporárias

- O cinema agrupa várias informações: som, imagem, cor, etc, o que torna-o bastante convidativo

 

- Apesar de atrativo, é acessível a todos? As escolas dispõe de esquipamentos adequados para que o professor utilize tal recurso?

 

- Os recursos cinematográficos podem ser aplicados no ensino de diferentes disciplinas

 

 - O tempo de aula é adequado para autilização do recurso cinematográfico?

 

- Pode-se utilizar fragmentos de filmes, não necessariamente o todo, para trabalhar em sala de aula

 

- O professor deve sempre escolher o filme que julga mais indicado ou é possível estimular a participação dos alunos na seleção?

 

 - O cinema estimula a conscientização dos alunos acerca de temas atuais e históricos que se relacionam com o seu cotidiano, com o mundo a sua volta, com a evolução do ser humano, entre outras

 

 - No caso do ensino de literatura, o que é mais adequado: assistir ao filme antes da leitura do livro, como forma de estímulo, ou solicitar aos alunos que leiam previamente e, após assistam ao filme, estabelecendo comparações, discutindo, etc.

 

 

Sites relacionados:

 

Discussões sobre Cinema

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             Planeta Educação

Informações relacionadas a inclusão e discussão do cinema entre as práticas intelectuais no cotidiano da escola.
Comentário: O hábito de expandir o universo cultural acrescenta, forma, enriquece o quotidiano do aluno. Não se consegue resultados sem aguçar a curiosidade do estudante para aspectos relacionados ao fazer artístico.

 

 

 

 

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            Página da Beatrix

   

 

 

  

Cinema na escola

 

(In: http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/dce/pgm4.htm)

 

Cinema na Escola: a vocação educativa dos filmes

 

 

 

Marialva Monteiro 1

"O ideal é que o cinema e o rádio fossem, no Brasil, escolas dos que não têm escolas."

                                                                                                                                                (Roquette Pinto, 1936)

 

 

"A nossa televisão tem 50 anos de existência. Nesse tempo, ela poderia ter alfabetizado todo o nosso povo, contado a nossa história, criando um sentimento de nacionalidade."

(Fernando Barbosa Lima, 2002)

Para se esboçar a história do Cinema Educativo entre nós, é importante remetermo-nos à Lei nº 378, que cria o Instituto Nacional de Cinema Educativo, que refere, na Seção III - Dos serviços relativos à educação - item 2) Instituições de educação escolar - Art. 40: "Fica creado o Instituto Nacional de Cinema Educativo, destinado a promover e orientar a utilização da cinematographia, especialmente como processo auxiliar do ensino, e ainda como meio de educação popular em geral". Assinavam a lei o então Presidente Getúlio Vargas e o Ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema, na data de 13 de janeiro de 1937.

Neste mesmo ato, ficou "o Poder Executivo autorizado a despender, no exercício de 1937, com despesas de material necessário ao Instituto Nacional de Cinema Educativo a importância de quatrocentos mil reis (400:000$)". É curioso observar que, neste mesmo ano, a mesma lei destinava às "despesas necessárias ao desenvolvimento do theatro nacional a quantia de seiscentos mil reis"!

No Brasil, o início do emprego do cinema no ensino e na pesquisa científica pode ser datado de 1910, quando foi criada a Filmoteca do Museu Nacional. Em 1912, o professor Roquette Pinto trazia, da atual Rondônia, os primeiros filmes dos índios nambiquara. A partir de então, o cinema educativo começou a aparecer em diversos pontos do país.

Em 1933, foi criada, no então Distrito Federal, a Biblioteca Central de Educação, com uma Divisão de Cinema Educativo, para fornecer filmes às escolas públicas do Rio de Janeiro.

É bom lembrar que a criação do INCE, oficializada através da lei citada anteriormente, deve-se à figura de Roquette Pinto, que levou ao Ministério de Educação e Saúde a exposição de motivos para a criação do referido instituto, aprovada em 10 de março de 1936.

Competia ao INCE editar filmes educativos populares (standard, 35mm) e escolares (substandard, 16mm). Parágrafo único: Para desempenhar sua finalidade, o Instituto manterá uma filmoteca; divulgará os filmes de sua propriedade, cedendo-os por empréstimo ou por troca às instituições culturais e de ensino, oficiais e particulares, nacionais e estrangeiras.

Como seu primeiro diretor, Roquette Pinto dotou o INCE de uma filmoteca voltada para a preservação dos filmes brasileiros, e que já continha em seu acervo, no ano de 1943, 587 filmes em 16 e 35mm em permanente contato com escolas (232 escolas registradas). Contando com a colaboração do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e das Secretarias de Educação dos estados, um prêmio, sugerido pelo diretor do INCE e instituído pelo Ministro de Educação, doava quatro filmes a toda escola que possuísse um projetor sonoro de 16mm.

Foi Roquette Pinto que escolheu Humberto Mauro para chefiar a seção técnica do INCE. Nessa função, Humberto Mauro realizou 230 documentários de curta-metragem.

Em 1966, criou-se o Instituto Nacional de Cinema - INC - que absorveu as atribuições do INCE. Dentro do INC, havia o Departamento do Filme Educativo que, nos seus dez anos de existência, apresentou algumas modificações. Nessa época, foi instituída a compra de direitos de contratipagem de produções independentes (20 filmes por ano), o que dava ao INC o direito à distribuição de várias cópias no circuito não comercial de escolas e demais entidades.

Após a fusão do INC com a Embrafilme, em 8 de fevereiro de 1976, o cinema educativo ficou a cargo do Departamento de Filme Cultural - DFC -, subordinado à Diretoria de Operações não-Comerciais. Em 1978, o DFC possuía um total de 721 títulos, tendo, às vezes, até 5 cópias de cada um. De janeiro a maio de 1978, o número de atendimentos foi de 980, com 2.257 cópias emprestadas.

Em 1990, o quadro que se apresentava era bem diferente. Os custos para produção, copiagem e distribuição passaram a ser alarmantes, o que fez mudar os rumos da Diretoria de Operações Comerciais da Embrafilme.

Paulatinamente, foram sendo abolidas as exibições gratuitas, permanecendo apenas em casos de projetos específicos pagos pelo agente patrocinador do evento. O realizador passa a ser o proprietário do seu filme, e a Embrafilme a se ressarcir do investimento na produção pela retenção prioritária das rendas do filme.

Com a extinção da Embrafilme no governo do então presidente Fernando Collor de Mello, a produção de filmes, que até então tinha um grande apoio do governo, foi praticamente inviabilizada. A lei de obrigatoriedade de projeção de um curta-metragem antes do longa no cinema deixa de existir, o que faz diminuir a produção também daquele formato.

Entrei na Embrafilme em 1980, e comecei a trabalhar na Assessoria Educacional ligada ao Departamento de Assuntos Culturais. Desde 1970, já trabalhava no CINEDUC - Cinema e Educação - de onde me desliguei por não poder acumular as duas funções. O trabalho com as filmotecas regionais da Embrafilme "fez a minha cabeça". A Embrafilme doou para vários estados um acervo de filmes 16mm, formando filmotecas regionais em universidades, centros culturais etc. Para aproveitar a minha experiência do CINEDUC, comecei a viajar para formar animadores culturais nestes locais, levando-lhes técnicas e alguns elementos que os ajudassem a utilizar os filmes recebidos. Os filmes poderiam, então, ser usados para discutir a realidade de suas regiões e os problemas que os temas dos filmes suscitassem para um trabalho educacional e cultural. Por outro lado, quando estava no Rio, atendia às escolas que nos procuravam para programar filmes ligados a temas curriculares. Todos os empréstimos eram gratuitos. Cheguei a organizar um catálogo pedagógico com os 110 títulos mais adequados às temáticas solicitadas. No mês de setembro, por exemplo, sempre apareciam professores querendo programar algo para o dia 7 - dia da Independência do Brasil. Tínhamos apenas o episódio do filme Independência ou Morte de Carlos Coimbra, com Gloria Meneses e Tarcísio Meira, considerado fraco pela crítica especializada. Era preciso "quebrar a cabeça" para descobrir outros filmes que pudessem se adequar ao assunto. Passei a sugerir Mão Mãe, um desenho animado de Marcos Magalhães. O filme mostra uma mão imensa diante de um jovem que deve obedecer-lhe. Ela vai se transformando: ora é a mão da autoridade paterna, ora é a da religião, ora é a do Exército. Em resumo, o filme falava de vários tipos de poder e de liberdade e independência. Os professores ficaram satisfeitos.

Foi aí que comecei a entender que os filmes de ficção também poderiam ser úteis e educativos, tanto quanto os "filmes educativos", no sentido didático e educacional.

Em 1990, defendi, na Fundação Getulio Vargas, a minha dissertação de Mestrado.: "A recepção da mensagem audiovisual pela criança", na qual procurei relatar minha experiência no CINEDUC. Entrevistei 109 alunos de 1o grau de escolas para pessoas de alta e de baixa renda, pesquisando suas reações diante de dois filmes: um documentário e um de ficção. Percebi que a identificação com os filmes depende, em grande parte, de valores individuais, da cultura, do meio, da história de vida e das experiências e leituras dos alunos/espectadores com os recursos audiovisuais.

Era comum, na época em que realizei a pesquisa, denominar-se "educativo" somente o filme cuja temática se relacionasse com conteúdos e habilidades transmitidas pela escola, e era considerado importante que ele tivesse intenções formativas, didáticas. Era freqüente, também, a utilização da nomenclatura de "filme educativo" para filmes instrucionais, que objetivavam auxiliar e/ou substituir total ou parcialmente a função exercida pelo professor ou treinador. Por tais motivos, não usei "filmes educativos" na minha pesquisa. O filme de ficção enfatiza a emoção. Ele conta uma história, tem uma estrutura narrativa e desenvolve uma ação.. As crianças percebem um flash-back (volta ao passado), uma elipse, uma passagem de tempo mais complicada? Era isto que eu queria pesquisar e entender.

Outra descoberta: embora a minha preocupação se centrasse na capacidade de percepção da imagem, fui levada a fazer uma comparação entre as respostas dos alunos das diferentes escolas em relação ao domínio do código lingüístico (ou seja, da palavra).

Depois de fazer uma reflexão mais demorada sobre o material recolhido em todas as respostas escritas pelos alunos, percebi que existia uma estreita relação entre o código linguístico e o icônico. Os padrões ambientais e educacionais podem favorecer, ou não, a assimilação do código icônico?

A questão da competência icônica ou lingüística parece estar diretamente ligada às oportunidades ambientais e culturais que o aluno recebe. É a educadora Ana Maria Poppovic quem explica: "A falta de diversidade e de quantidade de simples objetos domésticos com conteúdo de significação para a criança, aliada à impossibilidade de um treinamento individual, impede as oportunidades de manipulação e organização das propriedades visuais do meio ambiente e, assim, prejudica o desenvolvimento da percepção e discriminação visuais, que, por sua vez, vão dar bases para funções - como relacionamento figura-fundo e organização espacial - necessárias para a aprendizagem da leitura e da escrita." (Ana Maria Poppovic. "Atitude e cognição do marginalizado cultural" - Comunicação feita aos voluntários do Movimento de Promoção Humana. Mimeo. São Paulo, 1972).2

Em minha pesquisa, o elemento de avaliação utilizado para as respostas dos alunos, foi o código lingüístico. Posteriormente, refletindo sobre isto, tenho uma questão: este elemento de avaliação pode ter prejudicado a pesquisa? Verificamos, é certo, uma dificuldade em traduzir em palavras o sentimento e a reação diante da película. No filme Meow, de Marcos Magalhães, essa dificuldade se verificou na insuficiência de dados na descrição da roupa dos dois donos do gato, na caracterização da gata, na especificação do cenário onde se passa a história. No filme documentário, a carência de informações culturais pode ter prejudicado o reconhecimento de alguns animais da floresta, como a capivara (confundida com um urso), Se, por um lado, a pouca capacidade na utilização do código escrito oferece uma barreira na comunicação, as frases analisadas, embora insuficientes em quantidade, mostram um vocabulário rico de significações do cotidiano das crianças. A análise das frases mostrou ainda a capacidade criativa para a invenção de novas palavras como o termo fiumista para designar o cineasta. E frases elucidativas, como a do aluno que respondeu à pergunta "Por que o gato vai assistir à TV?" , escrevendo: "para se distrair um pouco e ver se passa a fome".

Ao iniciar a pesquisa para a dissertação, imaginava o cinema e a linguagem audiovisual como grandes auxiliares da aprendizagem pela facilidade de absorção de sua linguagem pelos espectadores, em contraposição à linguagem escrita, que exigia um aprendizado especial.

Ao terminar a pesquisa, tive de reconhecer o meu equívoco e concordar com o professor Sergio Guimarães (1984), que explica muito bem essa questão no livro Sobre Educação (Diálogos), quando dialoga com o educador Paulo Freire sobre a relação entre os ensinamentos da escola e os dos meios de comunicação. Diz ele: "À primeira vista, a impressão que se tem é a de que , com relação à imagem, não haveria problema nenhum, porque, sendo parecida com o real, ela não teria propriamente um código; a linguagem visual não demandaria, de quem fosse ler imagens, aprendizagem nenhuma, enquanto a leitura da palavra exigiria todo um processo de alfabetização."Em seguida, o prof. Sérgio conclui o contrário: que a leitura de um filme ou de um programa de televisão implica um necessário entendimento das pessoas sobre a maneira como se relacionam as imagens.E conclui: "Ora, não é natural que qualquer pessoa de qualquer cultura entenda logo de cara a fotografia aumentada do real".

Uma alfabetização audiovisual faz-se necessária, mas ela não pode estar afastada de uma cuidadosa atenção quanto ao contexto cultural do receptor e suas próprias necessidades e desejos. Embora o aprendizado seja uma meta fundamental, é preciso ter presente que a criança não é uma folha em branco. Ela possui uma história de vida que deve ser levada em conta.

Por outro lado, imagens diversas devem enriquecer e colorir o imaginário da criança. Para enfrentar o "He-Man", a imagem do Saci, com sua astúcia e sabedoria, pode ser um bom contraponto.

Hoje, restabelecida a produção do cinema nacional, em parte graças à Lei de Incentivos Fiscais (Lei Rouanet, de 1991), trabalho no projeto A ESCOLA VAI AO CINEMA, que tem me ajudado a colaborar com a exibição de filmes brasileiros, como contraponto às exibições de filmes americanos oferecidas pela TV. Com isso, questões como identificação, empatia, projeção e rejeição podem ser agora melhor analisadas e aprofundadas do que na época da dissertação.

A minha experiência com a assessoria pedagógica ao projeto A ESCOLA VAI AO CINEMA, desenvolvido pela Riofilme e pelas Secretarias das Culturas e de Educação do Município do Rio de Janeiro, tem me ajudado a ver a importância do oferecimento da diversidade de imagens para o aluno. O projeto só exibe filmes brasileiros. São mais de 20 filmes desde 1996 até agora.

Trabalhamos só com as escolas municipais de 1ª a 8ª séries do Ensino Fundamental, procurando atingir a todas as regiões. A partir do ano 2000, nos concentramos mais nas Zonas Norte e Oeste pela maior necessidade de lazer cultural destas regiões.

Em muitas escolas, verificamos que vários alunos nunca tinham ido ao cinema. Isto satisfaz uma das finalidades do projeto que é levar os alunos à sala de cinema, oferecendo o prazer que este ato proporciona - e não levar o filme à sala de aula.

Os alunos estão muito mais habituados a ver televisão do que a ir ao cinema. "O cinema é uma TV de 200 polegadas." - dizAirton, aluno da 1ª série de uma Escola Municipal da Zona Oeste do Rio de Janeiro.

A dinâmica do projeto pretende criar o hábito de freqüentar o cinema. Nada substitui a sensação da sala escura. e o poder de concentração que ela oferece diante da imagem. Mas o referencial do aluno continua sendo o da TV. Ele confunde muitas vezes o projetor cinematográfico com o aparelho de TV. Ele mistura as palavras filmar com gravar. Ele chama a filmagem de filmação e o fotógrafo de filmador. Ele tem dificuldade de entender como se processa o movimento no cinema, pois o máximo que ele conhece é uma fita de vídeo que pode ser alugado numa locadora - uma caixa que contém uma fita toda preta, onde não dá para ver os fotogramas como num pedaço de filme.

Quais elementos da linguagem cinematográfica são melhor assimilados e quais os que dificultam a compreensão? Por que alguns filmes agradam mais?

É na segunda fase da dinâmica do projeto - a ida à escola (depois da exibição do filme, a Secretaria de Educação seleciona algumas escolas que deverão ser visitadas pela equipe do CINEDUC) - que tais perguntas podem ser respondidas, cumprindo o objetivo principal do projeto: a formação de platéia. O contato com o aluno, com suas opiniões, rejeições e adesões a algumas cenas dos filmes enriquece a nossa atividade no projeto, ajudando-nos a identificar quais os filmes preferidos e quais os que não são bem aceitos.

As questões relacionadas aos elementos estruturais da linguagem cinematográfica, como a montagem, os enquadramentos, a fotografia, o roteiro são explicadas neste momento a partir das cenas do filme visto. No diálogo estabelecido com os alunos, percebe-se, por exemplo, que uma montagem mais elaborada, com alguns flash-back (volta ao passado) ou elipses no tempo narrativo dificultam a compreensão. Por outro lado, os atores conhecidos das telenovelas facilitam a identificação dos personagens e a maior adesão ao filme. As histórias de príncipes e princesas onde os "mocinhos" terminam ricos e felizes são sempre bem aceitas.

O ideal é que esses resultados obtidos pela relação produção - recepção sirvam de subsídios para a escolha de novos filmes a serem usados no projeto, bem como a realização de novas produções. Uma nova política de incentivos à indústria cinematográfica brasileira voltada para o público em idade escolar se faz necessária no sentido de ampliar o oferecimento de opções de filmes de boa qualidade adequados ao público infanto-juvenil.

Bibliografia comentada

Gutierrez, Francisco. Linguagem Total, uma pedagogia dos meios de comunicação. São Paulo,Summus Editorial, 1978.

Comentário: este é um livro mais antigo, porém fundamental, pois foi Gutierrez quem primeiro entendeu que os métodos tradicionais de ensino não atendiam às formas massificantes e atraentes oferecidas pelos meios de comunicação.

Barbero, Jesus-Martin. Dos Meios às Mediações. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1997.

Comentário: Conheci os textos do Barbero nas entrevistas que deu na revista da FASE. Finalmente chegou seu livro ao Brasil. Ele é fundamental, porque fala das mediações, e do receptor latino-americano. Não trata só de comunicação, mas de antropologia, sociologia, política e sociologia.

Machado, Arlindo. Máquina e Imaginário. São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo (Edusp), 1996.

Arlindo Machado fala de produção de arte e novas tecnologias. Isto significa uma decadência da arte? Para ele, não. E explica: o problema é a questão da liberdade na sociedade informatizada.

Amorim Garcia, Claudia e outros (Coleção Escola de Professores). Infância, Cinema e Sociedade. Rio de Janeiro, Ravil, 1997.

Comentário: é um livro interessante, porque reúne professores e cineastas. Traz o resumo de um ciclo de debates sobre alguns filmes e questões da infância e adolescência.

Freire, Paulo e Guimarães, Sérgio. Sobre Educação (Diálogos)- vol. 2. Rio de Janeiro, Ed Paz e Terra, 1984.

Comentário: é um livro gostoso de ler, porque usa a forma de diálogo. Paulo Freire e Sergio Guimarães discutem assuntos importantes da educação, inclusive o uso dos meios de comunicação na sala de aula.

Berger, John. Modos de ver. São Paulo, Livraria Martins Fontes, 1987.

Comentário: gosto muito deste livro. Li primeiro em inglês e fiquei feliz quando apareceu traduzido no Brasil. Frase que sempre repito e copio do livro: "A vista chega antes das palavras. A criança olha e vê antes de falar". É sobre a percepção visual.

Kauamura, Lili. Novas Tecnologias e Educação. São Paulo, Ed Ática, 1990.

Comentário: é um livro pequeno (79 páginas), mas resume algumas políticas governamentais de educação diante da indústria cultural, que na realidade não funcionam.

Santaella, Lucia e Winfried, Nöth. Imagem - Cognição, Semiótica, mídia. São Paulo, Ed. Iluminuras, 1997.

Comentário: é um livro mais complexo. Mas vale para aprofundar algumas questões.

Barbosa, Ana Mae. A Imagem no ensino da arte. São Paulo, Ed Perspectiva, 1994.

Comentário: é sempre bom ler o que a Ana Mae escreve. Ela não trata do cinema, mas da arte em geral. Sua metodologia triangular para leitura da obra de arte deve ser conhecida por todos os professores.

Ferrés, Joan. Televisão e Educação. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, !996.

___________. Vídeo e Educação. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas, 1996.

Comentário: dois livros fundamentais. Ferrés escreve de maneira simples e levanta questões válidas. Sugere atividades práticas para quem trabalha com vídeo e televisão na sala de aula.

Virilio, Paul. A Máquina de Visão. Rio de Janeiro, Ed. José Olympio, 1994.

Comentário: a "máquina de visão" é o nosso olho ou a câmera? É disto que trata o livro. Paul Virilio é muito citado pelos teóricos de nossa era da informática.

Moran, José Manuel. Como ver Televisão. Ed Paulinas, 1991.

Comentário: não é um livro teórico. Traz alguns exercícios práticos que podem ajudar o professor que trabalha com os meios de comunicação.

Azzi, Riolando. Cinema e Educação. vol 1 e 2 - Ed Paulinas, 1996.

Comentário: é uma orientação para o uso de alguns filmes já disponíveis em vídeo. Tem de tudo: desde filmes bem comerciais como Alien, o oitavo passageiro até filmes mais "cabeça" como Lanternas Vermelhas.

Aumont, Jacques. A Imagem. Campinas, Ed Papirus, 1993.

Comentário: o livro trata de questões bastante importantes, como a relação do espectador com a imagem, como a imagem representa o mundo real, etc

Baudrillard, Jean. Tela Total, Mito- Ironias da Era do Virtual e da Imagem. Porto Alegre, Ed. Sulina, 1997.

Comentário: coletânea de textos publicados pelo autor em jornal sobre questões importantes ligadas ao mundo moderno e à comunicação de massa.

Babin, Pierre. A Era da Comunicação. São Paulo, Ed. Paulinas, 1989.

Comentário: Pierre Babin é um padre que há muito tempo mantém cursos para quem se preocupa com os meios de comunicação e valores humanos.

NOTAS:

  1. Coordenadora do Cineduc e do Projeto "A escola vai ao cinema".
  2. Nesta pesquisa, Ana Maria Poppovic analisa a questão da memória, ressaltando a importância da quantidade e da qualidade de informações verbais recebidas pela criança, por parte do adulto. A autora assinala que, em geral, as crianças das classes menos favorecidas têm um enfoque muito mais voltado para o presente, sentindo dificuldade em relacionar seqüências passado-presente. Se isto realmente se dá, a recepção cinematográfica, que tem na memória um dos elementos facilitadores, ficará enormemente prejudicada. As questões relativas à noção de tempo são necessárias ao entendimento da montagem na construção de uma frase cinematográfica e a toda a pontuação da narrativa da mensagem audiovisual.

 

 

 

Escola no cinema

(in: http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/dce/dcetxt5.htm)

 

A construção estético-cultural de um espaço

Laura Maria Coutinho 1

"As primeiras lembranças da vida são lembranças visuais. A vida, na lembrança, torna-se um filme mudo. Todos nós temos na mente a imagem que é a primeira, ou uma das primeiras, da nossa vida. Essa imagem é um signo, e, para sermos mais exatos, um signo lingüístico, comunica ou expressa alguma coisa 2."

 

Assim como a primeira imagem da vida, a que se refere Pasolini na epígrafe acima, cada um de nós traz consigo a imagem da sua primeira escola ou ainda a primeira imagem de uma escola, ainda que esta nem tenha sido a nossa. O primeiro professor, ou professora - geralmente as mulheres atuam mais nesses anos iniciais de escolarização -, também compõe nosso banco pessoal de imagens escolares ou não. Os primeiros colegas... a turma, a fotografia da turma - quando isso fosse possível. Todas essas imagens ensinam e conformam a idéia que vamos ter dos lugares sociais por onde transitamos. É assim com a escola, a família, o trabalho, a cidade, os hospitais, os hospícios, as prisões...

O que faz o cinema, então? Cria imagens que são, ao mesmo tempo que as vemos como reais, expressão de coisas e pessoas com as quais convivemos em nossas lembranças. E as lembranças têm origem em muitos lugares e situações: nas histórias que ouvimos em casa, nas experiências pessoais de cada um, na televisão, nos filmes. Também por isso gosto da idéia de que o cinema é uma arte da memória3. As cenas que vemos estampadas nas telas não dizem somente daquelas personagens cuja história se desenvolve à nossa frente, no tempo que durar a projeção, mas remetem a todas as outras histórias e personagens que habitam as nossas lembranças. O cinema, com alguns dos seus filmes, nos faz até mesmo sentir saudade de lugares aonde nunca pisamos e de pessoas com as quais jamais estivemos. E o faz em realidade e ficção.

No cinema, são os ambientes que (re)-conhecemos claramente que sugerem ações, comportamentos, atitudes que podem, além de nos fazer olhar para o filme, olhar também para os lugares onde vivemos e, igualmente, para a vida que levamos em casa, na cidade, na escola. Disse (re)-conhecemos, porque embora possamos estar vendo os lugares ficcionados que o cinema apresenta, pela primeira vez, os mecanismos de construção da linguagem cinematográfica ativam as lembranças e assim, vemos as imagens na tela não somente com o que objetivamente nos mostram, mas também em reminiscências. Por meio da linguagem do cinema, é possível ver tudo o que as imagens nos sugerem. No momento da projeção, acontece sempre um jogo entre a objetividade das imagens e a subjetividade das lembranças de cada um dos espectadores.

Por isso o cinema na escola pode ser tão rico. Mais do que os conteúdos que cada filme possa trazer, a presença do cinema na escola pode se constituir em momentos de reflexão que transcendam os próprios filmes e incluam o olhar de cada um à narrativa que o diretor propôs e nos ofereceu, em imagens e sons. Quando vamos ao cinema, às salas escuras de projeção, ao final, as imagens, as histórias, os personagens nos acompanham, solitárias, para além do filme, às vezes, para sempre. Na escola, quando o filme termina, é possível conversar sobre ele e construir uma outra história ou quantas histórias cada pessoa que viu quiser acrescentar.

São muitas as razões que justificam o cinema na escola. A sala de aula não é uma sala de cinema. Talvez por isso mesmo possa se constituir em um outro ambiente, que não é nem um nem outro, nem a simples soma dos dois. Pode se transformar em algo novo, tão ou mais rico em possibilidades expressivas e reflexivas: os filmes, na escola, são projetados em telas de tevê e o videocassete proporciona outras formas de ver. Pode-se parar o filme, voltar a fita, ver novamente. Acontece uma outra relação com os filmes que, no cinema, uma vez iniciados, seguem certo percurso espaço-temporal sem ser interrompido. Ainda que o espectador possa levantar e sair da sala, o filme prossegue, a menos que falte luz. É bom lembrar, portanto, que estamos falando de linguagens que dependem de energia elétrica.

Professores e alunos podem utilizar filmes por muitos motivos: para enriquecer o conteúdo das matérias, para introduzir novas linguagens à experiência escolar, para motivar os alunos para certo tipo de aprendizagem, para o desempenho de determinada função, para entretenimento. Não que o cinema chegue na escola sem conflitos. Talvez o cinema na escola deva mesmo se constituir em oportunidades para a explicitação dos conflitos com os quais a escola e a educação têm de lidar.

Milton José de Almeida diz que "o filme é produzido dentro de um projeto artístico, cultural e de mercado - um objeto da cultura para ser consumido dentro da liberdade maior ou menor do mercado. Porém, quando é apresentado na escola, a primeira pergunta que se faz é: 'adequado para que série, que disciplina, que idade etc.?' Às vezes ouvimos dizer que um filme não pode ser passado para a 6ª série, por exemplo, e no entanto ele é assistido em casa pelo alunos, juntamente com seus pais.(...) [A escola] está presa àquela pergunta sobre a adequação, à idéia de fases, ao currículo, ao programa. Parece que a escola está em constante desatualização, que é sublinhada pela separação entre a cultura e a educação. A cultura localizada num saber-fazer e a escola num saber-usar, e nesse saber-usar restrito desqualifica-se o educador, que vai ser sempre um instrumentista desatualizado."4 Entendo a provocação proposta por Milton Almeida como um desafio a todos os educadores que estão nas escolas e encontram nos filmes e na linguagem cinematográfica uma forma de ver o mundo em seus múltiplos cenários.

Um dos múltiplos cenários que o cinema contempla é a própria escola. Inúmeros filmes tratam dela. Assim, direta ou indiretamente, os filmes nos ajudam a construir nossa imagem de escola, de professores, de alunos e, até mesmo, da forma como a educação escolarizada se insere ou deve se inserir na sociedade. Convido, então, a uma breve reflexão sobre como a escola é vista pelo cinema, ou como alguns filmes tratam as relações que ocorrem nesse espaço social. Os personagens que por ali transitam, os papéis que desempenham, as tramas, os desafios, os conflitos. Penso que a filmografia que tem a escola como cenário principal da narrativa não é tão extensa quanto a que tem como cenário as prisões, por exemplo. Talvez porque para haver um filme é preciso algum tipo de conflito e os conflitos, nas prisões, são mais evidentes do que nas escolas, têm mais impacto visual. É bom lembrar que estamos falando de filmes de ficção e não de documentários.

Os campeões de audiência, ou os sucessos de bilheteria, nas escolas, são os filmes que tratam de situações escolares-educacionais, ou de outras que acontecem dentro delas, ou, ainda, que têm as escolas como referência, pano de fundo. Penso que o que professores e alunos buscam, ao levar esses filmes para a escola, são as situações exemplares que o cinema tão bem retrata. Não quero aqui restringir o que chamo de exemplar, a simples exemplo a ser seguido. Talvez fosse melhor dizer modelar, como alguma coisa que pode conformar a nossa imaginação e a nossa memória e, até mesmo, a nossa maneira de perceber o mundo e a sociedade que nos cerca. Encontrei em muitos escritos, filmes, programas de tevê, uma idéia sobre isso e que pode ser traduzida mais ou menos assim: toda imaginação é uma espécie de memória5.

Assim retorno ao que já expus no início do texto: a linguagem cinematográfica, os filmes que vemos - na escola ou fora dela -, as situações que imaginamos depois dos filmes, irão compor, em estética e magia, a memória de cada um. A idéia que cada um de nós tem de escola transita, em realidade e ficção, pelas imagens reais das escolas onde estivemos e imagens ficcionais que conhecemos através do cinema, da televisão. Recorremos às nossas lembranças, sejam elas boas ou ruins, sempre que queremos imaginar, projetar, criar alguma coisa nova. Ensinar e aprender são atos de criação; recorrer aos filmes pode ser apenas parte desse esforço criativo.

O mundo visto pelo cinema tem matizes próprios, embora os filmes retratem a vida como ela é, cheia de contradições, as histórias apontam para a transformação, a mudança. Talvez porque a escola seja mesmo um ambiente propício às mudanças ou porque o filme não se concretizaria sem que cumprisse a sua estrutura narrativa: apresentação, desenvolvimento, conflito, clímax, desenlace. "A narrativa parece ser o modo mais simples e eficaz de nosso conhecimento, o modo pelo qual apresentamos o mundo e os homens de forma que, por um momento, sejam inteligíveis para nós mesmos. Conhecer pode ser apenas isto: contar uma história onde o espaço e o tempo do mundo se conjugam na sucessão linear dos acontecimentos."6

Muitas das escolas que conhecemos nos filmes trazem a marca da sociedade americana. Somos alfabetizados audiovisualmente pelo cinema feito nos Estados Unidos. Gosto da idéia de que o cinema americano é o maior do mundo porque retrata uma sociedade que acredita no milagre. Talvez por isso mesmo tenha se apropriado, como nenhuma outra, da linguagem cinematográfica e feito dela uma de suas mais poderosas indústrias. Pequenos milagres se realizam a cada filme. Como a redenção da escola pobre, de bairro mais pobre ainda, no filme "Meu mestre, minha vida" do diretor John G. Avildsen. Lá os alunos estavam reféns de traficantes, vândalos e toda sorte de bandidos e, pela intervenção de um novo diretor com métodos nada convencionais de ensinar e administrar uma instituição escolar, conseguem vencer o exame estadual em tempo recorde.

Lembro que este filme deixa claro o fato de basear-se em uma história real. Uma vez mais realidade e ficção se fundem para realizar o milagre de uma sociedade estratificada, hierarquizada, legalista, centrada no esforço individual e na vida comunitária, qual seja, formar vencedores. E o que é ser um vencedor? A resposta a essa pergunta podemos encontrar em quase todas a imagens do filme, mas sobretudo num dos discursos do diretor a seus alunos: precisamos mudar esta escola, pois vocês estão muito longe do sonho americano que vemos na tevê. Mas uma vez vemos as narrativas audiovisuais - do cinema e da televisão - constituindo a vida de uma nação, ou pelo menos o seu imaginário.

São muitas as histórias que envolvem a escola que o cinema retrata, posso citar algumas: A corrente do bem; Mr. Holland, adorável professor; Conrak; Sociedade dos poetas mortos, Perfume de mulher (EUA), Adeus, meninos (França). Assistimos a histórias completamente possíveis, não há nelas nenhum efeito especial de linguagem. Os professores sobretudo, os diretores, os alunos, pais cumprem a sua função e seu papel. Ora estão mais próximos do herói redentor, ora do bandido mais prosaico. A magia do cinema ali, é o próprio cinema, com a sua linguagem que se expressa por meio da realidade, mesmo sendo ficção. Procurando os filmes brasileiros que passam em escola, encontrei poucos. É bom lembrar que a nossa filmografia não é mesmo muito extensa por muitos motivos que não cabem neste escrito. E escrevendo este texto fiquei pensando que, talvez, diferente dos americanos, sejamos um povo que não acredita no milagre, mas na vida como ela é. Talvez por isso não estejamos cuidando o bastante do nosso ensino público e tenhamos deixado o cinema para os americanos e para alguns poucos obstinados conterrâneos que, além de acreditar no milagre do cinema, acreditam também neste país.

Para encerrar esta nossa reflexão, recorro a Jean-Claude Carrière7 quando diz que a nação que não produzir suas próprias imagens está fadada a desaparecer. Por isso penso no cinema que vem de países que se dão a conhecer por seus filmes de forma completamente diversa da que vemos nos noticiários da tevê. A tevê nos revela imagens construídas por um olhar estrangeiro. Os filmes por um olhar próprio. São assim os filmes Os filhos do paraíso e Gabet; ambos tratam com delicadeza e poesia situações escolares. Muito diferentes do que vemos no cinema americano, embora a educação para todos os povos se constitua em um processo de transformação. Talvez não seja exagero dizer, e se o for, deixo como forma de provocar o debate, que a nação que não recorrer às suas próprias imagens para educar suas crianças e seus jovens estará fadada a desaparecer duplamente. Mas como lembra Manoel de Barros, "o mundo não foi feito em alfabeto" e também não em linguagens audiovisuais. Talvez possamos reunir todas as linguagens e construir, como ainda diz o poeta "uma didática da invenção"8.

Bibliografia

Coutinho, Evaldo. A imagem autônoma: ensaio de teoria do cinema. Recife: UFP/Editora Universitária, 1972.

Lebel, Jean-Patrik. Cinema e ideologia. São Paulo: Mandacaru, 1989.

Lugar Comum - Estudos de mídia, cultura e democracia. Núcleo de Estudos e Projetos em Comunicação da Escola de Comunicação da UFRJ, nº 9-10 set. 1999 abr. 2000.

Miguel, Antonio e Zamboni, Ernesta (org.) Representações do espaço: multidisciplinaridade na educação. Campinas: Autores Associados, 1996.

Rocha, Everardo. (org.) Cultura & Imaginário: interpretação de filmes e pesquisa de idéias. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.

NOTAS:

  1. Professora da Faculdade de Educação da UnB. Consultora desta série. Participaram de uma discussão na disciplina "Imagem e educação", de onde se originou este texto, os professores Maria Madalena Torres, Cristiane Terraza, Neusa Deconto, Paula Miranda, Mário Maciel-Marel.
  2. Pasolini, Pier Paolo. "Gennariello: a linguagem pedagógica das coisas" em: Os jovens infelizes: antologia de ensaios corsários. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 125.
  3. Ver Almeida, Milton José de. Cinema - arte da memória. Campinas: Autores Associados, 1999.
  4. Almeida, Milton José de. Imagens e sons: a nova cultura oral. São Paulo: Cortez, 1994, p.8.
  5. Esta frase encontrei no livro de Shirley Maclaine, (Dançando na luz, Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 37.) que, talvez não por acaso, é atriz e roteirista, embora esse livro não trate de cinema.
  6. Lázaro, André. Cultura e emoção: sentimento, sonho e realidade. In: Rocha, Everardo. (org.) Cultura & Imaginário. Rio de Janeiro: Maud, 1998, p.151.
  7. Roteirista e escritor. Presidente da FEMIS, escola francesa de cinema, autor do livro A linguagem secreta do cinema. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
  8. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Record, 1998.

Cinema e literatura

(in: http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/dce/dcetxt3.htm)

Uma sintaxe transitiva

Rosalia de Ângelo Scorsi *

"A literatura moderna está saturada de cinema. Reciprocamente, esta arte misteriosa muito assimilou da literatura1 ." Com estas palavras, Jean Epstein inicia seu ensaio, de 1921, sobre o intercâmbio entre as estéticas do cinema e da literatura moderna, mostrando-nos a forte influência de uma arte sobre a outra.

Podemos confirmar essa declaração de Epstein em Amar, Verbo Intransitivo, romance moderno de Mário de Andrade, que se constrói com perceptível diálogo com o cinema, tanto nas referências que faz a este, como nas "técnicas" utilizadas que lembram aquelas utilizadas pelo cinema. O livro foi escrito em 1923 e publicado em 1927. O próprio Mário de Andrade escreve a Sérgio Milliet sobre o romance, em 1923, chamando-o de cinematográfico: "Atualmente escrevo Fräulein - romance. É possível que fique no meio, como todas as grandes empreitadas que tomo. Cinematográfico. Mando-te do prefácio (curto) as duas idéias que contém ."

"Amar, Verbo Intransitivo não possui capítulos, conforme a norma aceita, numeração de seqüências ou títulos para elas. É um texto de ficção construído pelas cenas que fixam diretamente momentos, 'flashs', resgatando o passado, ou cenas que são apresentadas pelo Narrador. Às cenas, contrapõem-se as digressões do Narrador que compete freqüentemente, dando grandes demonstrações de conhecimento teórico, com a visão que a heroína tem do mundo e do amor. As digressões são, de fato, sua interpretação. A separação dos episódios, a mudança de cenário, de espaço, a passagem do tempo, os cortes desviando a atenção do leitor, são marcados apenas pelo espacejamento padronizado que, graficamente, acentua a idéia de seqüência solta e divisão da narrativa em flagrantes." Já nesse trecho do prefácio ao romance, de Telê Porto Ancona Lopez, percebe-se o uso de uma terminologia própria à gramática do cinema: flash, cena, seqüência, corte. Seguindo o prefácio mais à frente, lê-se: "O Narrador, que capta a cena no que ela tem de essencial, freqüentemente nos faz lembrar a representação cinematográfica: a câmera que segue os passos, foco isento, olhando por detrás, ou foco comprometido que faz às vezes dos olhos da personagem. Narrar cinematográfico de romance moderno, combinado com a reflexão literária, machadiana, metalingüística, e com a capacidade do Narrador de se fundir às manifestações do mundo interior de suas personagens."

Na forma que o romance toma, muito desse "narrar cinematográfico" é produzido com a oralidade da prosa que o texto escrito reproduz; com a técnica das "cenas" que substituem os convencionais capítulos, como já foi dito; e por muitos outros recursos formais, dos quais cito alguns:

Frases telegráficas. Nomeação abundante. Enumeração: Procedimento, na prosa, equivalente ao processo descritivo-narrativo da linguagem cinematográfica expresso através da contigüidade de planos. "(...) O quartinho é escuro. Maria embala no bercinho pobre o filho recém-nascido. Janelas abertas, dando para a grande noite azulada, facilmente mística. Nascem do chão, saem pelas janelas as duas colunas inclinadas do luar. Verão. Silêncio. Murmúrio em baixo, longe, das águas sagradas do Reno."(Amar, verbo intransitivo - AVI, p. 65.) (Esse trecho refere-se a uma divagação de Fräulein, cuja representação sugere as tomadas e movimentos de câmera, um certo tipo de luz, de som e até o silêncio significativo.)

Maiúsculas destacando alguns enunciados: O uso das maiúsculas aqui corresponde, se pensarmos na linguagem cinematográfica, à técnica do Close-up e/ou Detalhe,que vão além da superfície das aparências para tocar em revelações dramáticas: "A cidade é uma invasão de aventureiras agora! Como nunca teve! COMO NUNCA TEVE, Laura (...) Por isso! Fräulein prepara o rapaz. E evitamos quem sabe? até um desastre!... UM DESASTRE!" (AVI, p. 77).

"NÃO EXISTE MAIS UMA ÚNICA PESSOA INTEIRA NESTE MUNDO E NADA MAIS SOMOS QUE DISCÓRDIA E COMPLICAÇÃO" (AVI, p. 80)

"Meu Deus! UM FILHO. (...) ... um

FILHO..."(AVI, p.135)

"FIM" (AVI, p. 140)

Uso de Onomatopéias e Neologismos: Espécie de dimensão auditiva que complementa significativamente as cenas textuais:

"A bulha dos passarinhos arranhava o corredor. De repente fogefugia assustado sem motivo colibri: Plequeleque, pleque... pleque... pleque..." (AVI, p. 51)

"Carlos abaixou o rosto, brincabrincando com a página." (AVI, p. 56)

"Pum! Taratá! Clarins gritando, baionetas cintilando, desvairado matar, hecatombes, trincheiras, pestes, cemitérios..." (AVI, p.61)

"Chiuiiii... ventinho apreensivo. Grandes olhos espantados de Aldinha e Laurita. Porta bate. Mau agouro?... Não... Pláaa... Brancos mantos... E ilusão. Não deixe essa porta bater! Que sombras grande no hol... Por ques? Tocainado nos espelhos, nas janelas. Janelas com vidros fechados... que vazias! Chiuiii... Olhe o silêncio. Grave."(AVI, p. 88)

"O murmulho das águas gargalhou um 'brekekekex' fanhoso."(AVI, p. 120)

O cinema está presente no romance, não só pelos recursos lingüísticos utilizados que o mimetizam, mas também através de citações ao cinema, afirmando o hábito já entranhado no contexto urbano onde o romance se passa de freqüentá-lo e sua influência no imaginário dos freqüentadores:

"Dona Laura ficava ali, mazonza, numa quebreira gostosa quase deitada na poltrona de vime, balanceando manso uma perna sobre a outra. Isso quando não tinham frisa, segundas e quintas, no Cine República." (AVI, p. 59)

"Depois do almoço as crianças foram na matinê do Royal. (...) E como são juntinhas as cadeiras do Royal! (...) O certo é que o corpo dela ultrapassa as bordas da cadeira todo mundo se queixa das cadeiras do Royal." (AVI, p. 69)

"De primeiro era o dia inteirinho na rua, futebol, lições de inglês, de geografia, de não-sei-que-mais e natação, tarde com os camaradas e inda por cima, depois da janta, cinema." (AVI, p.71)

"Quando ele sentiu sobre os cabelos uma respiração quente de noroeste, principiou a imaginar e criticar. Criticar é comparar. Que gosto que teriam esses beijos de cinema?" (AVI, p.91)

"Laurita pensava que havia uma história triste. Fräulein com Carlos. Talqual na fita de Glória Swanson." (AVI, p.137)

"E se não quer gastar os cem, o cinema AVENIDA cerra aos poucos os olhos elétricos, gente que sai, gente na porta, bulha de empregados apressados." (AVI, p.143)

"Na avenida Higienópolis o telefonema avisou que ele almoçava com o Roberto. Mais um companheiro se juntava a eles. Passaram a tarde no cinema." (AVI, p.145)

Lição de Amor é a adaptação de Eduardo Escorel, para o cinema (1976), do livro de Mário de Andrade.

Podemos averiguar, a partir das cenas iniciais do filme, como a linguagem do cinema, na condução de Eduardo Escorel, traduz esse romance que já em sua raiz é cinema.

Quero me fixar no que estou chamando de a poética de Fräulein (personagem essencial do livro e filme, vivida pela atriz Lílian Lemertz), em grande parte nascida do discurso indireto livre presente no romance, e indagar de que modo e com que recursos técnicos/estilísticos o cinema a traduz, já que o cinema optou por prescindir da poderosa voz narrativa literária e, conseqüentemente, de todos seus malabarismos discursivos.

Algumas cenas iniciais marcam a apresentação e chegada de Fräulein na mansão. Tomando a parte inicial em que Souza Costa contrata o trabalho de Fräulein e sua chegada de táxi à mansão, quero buscar nesses acontecimentos a solução estética encontrada para sua tradução ao cinema. E ainda indagar que densidade ontológica de Fräulein o cinema, com as soluções estéticas assumidas, torna visível.

Eduardo Escorel optou por ficar rente aos fatos e imagens narrados no texto, na produção do filme Lição de Amor. O filme mantém-se obediente ao texto. É difícil fugir de um texto em que fatos e imagens estão lá, nítidos, oferecendo-se a serem reproduzidos. A maior parte das falas das personagens estão no filme, tal qual estão no texto. Porém, o filme terá de lidar com a ausência do narrador, figura expressiva e atuante no romance que garante a densidade dramático-poética da narrativa. Uma opção do filme foi não sair das cercanias da mansão de Souza Costa, espaço fundamental da ação dramática, diferente do livro que fotografa cenas e costumes do centro urbano paulistano.

Logo no início do filme, deparamo-nos com uma câmera ou um foco comprometido, como se fizesse às vezes dos olhos da personagem. O ponto de vista assumido logo no início conduzirá o espectador pelo resto do filme. Vejamos como isso ocorre.

O filme abre-se com os primeiros créditos, em fundo vermelho. Nessa tela vermelha vemos o esboço, em linhas onduladas brancas, de um livro onde se lê:

Lição de Amor

Adaptado do romance Amar,Verbo Intransitivo

de Mário de Andrade

Roteiro: Eduardo Coutinho e Eduardo Escorel

A imagem é mostrada em silêncio e dura l5 segundos aproximadamente. A lição de amor terá somada ao seu aprendizado uma cor quente - a cor vermelha.

CORTE

A primeira cena passa-se no quarto de pensão de Fräulein, com apenas uma tomada de câmera. Iluminação discreta, acentuando a modéstia das acomodações. São utilizados plano americano e plano médio e a câmera movimenta-se seguindo o movimento dos personagens. Souza Costa e Fräulein dialogam sobre os acertos finais do contrato de trabalho de Fräulein. O quarto, embora pequeno, está muito bem organizado. Fräulein veste um conjunto simples, blusa de manga longa, saia e colete. O cabelo está preso. Seu ar é profissional e suas falas são seguras e decididas, revelando uma mulher que não se intimida diante do homem e que tem clareza quanto aos seus desejos, no plano profissional. O diálogo é muito próximo ao diálogo do livro e a cena dura aproximadamente l minuto e 20 segundos.

Os dois estão sentados junto à mesa, finalizando o chá:

SC: Então, estamos entendidos, srta. Elga. São oito contos pelo serviço. Pagos no final, quando tudo estiver concluído.

F: Perfeitamente, Sr. Souza Costa.

Levantam-se e dirigem-se à porta e no trajeto:

SC: Está frio!

F: Estes fins de inverno são perigosos em São Paulo.

Fräulein abre a porta do quarto. Souza Costa estende a mão em despedida. Antes de oferecer sua mão:

F: E... Senhor, sua esposa está avisada?

SC: Não, a srta. compreende... ela é mãe. Esta nossa educação brasileira... Além do mais, com três meninas em casa...

F: Peço-lhe que avise sua esposa, senhor. Não posso compreender tantos mistérios.

SC: Mas, senhorita...

F: Desculpe insistir. Não me agradaria ser tomada por uma aventureira. Certamente não irei, se sua esposa não souber o que vou fazer lá.

SC: Muito bem. Se é assim que a srta. deseja, pode ficar tranqüila. Estaremos à sua espera, senhorita.

Souza Costa sai, Fräulein fecha a porta, encosta-se nela, com olhar alongado e perdido, ouve-se, então, sua voz, numa espécie de monólogo interior:

F: Mais oito contos. Se a situação na Alemanha melhorasse... Mais um ou dois serviços e posso partir. E casar. Ter uma casa sossegada. Um rendimento certo.

Ao mesmo tempo em que se ouve o pensamento de Fräulein, começa a crescer um som musical que se funde ao seu pensamento. A música tem uma estrutura melódica que aflora sentimentos nostálgico-melancólicos. É somente orquestrada com destaque ao som do piano. Essa composição de Francis Hime tornar-se-á uma espécie de tema de Fräulein e será um centro de força na criação da subjetividade da personagem, construída pelo cinema. A música atravessará as duas cenas seguintes, de forma que o final da segunda cena coincide com o final da música. Como se substituísse a voz narrativa, a música, além de ligar as cenas, introduz com sua carga dramática a personagem Fräulein. (Quero chamar atenção para a atmosfera romântico-sentimental que a música sugere, pois ela se fixará à imagem de Fräulein.) Fräulein não é apenas uma imagem visual, mas a imagem visual somada a uma imagem auditiva.

CORTE

A próxima imagem retoma aquela primeira - livro sobre fundo vermelho - continuando a apresentação da equipe de atores, de produção, de direção etc. É uma imagem longa com 2 minutos e 10 segundos de duração. Durante essa apresentação, a música que havia começado baixa, na seqüência do quarto, junto com o pensamento de Fräulein, ascende e atravessa toda essa tomada, continuando na cena seguinte, abrandando, agora, sua altura de som. O espectador, enquanto lê os créditos vai sendo enredado nessa narrativa musical muda de palavras.

CORTE

A cena que se segue focaliza, em giro de travelling-panorâmico lento ascensional, o amplo espaço onde se localiza a grande casa branca dos Souza Costa, plantada em meio a uma extensa área verde, com grades e jardins. A cena é externa e a luminosidade do dia opõe-se àquela interna do quarto. Os olhos do espectador movimentam-se nesse giro panorâmico, são levados a apreciar a majestosa residência. Se o espectador tiver retido na memória a fala de Souza Costa: "estaremos à sua espera senhorita", logo ligará a casa à figura masculina da cena inicial. Se retomarmos as falas e imagens da cena do quarto, veremos como é rica em informações de apresentação do quadro sócio-cultural-brasileiro, no qual Fräulein fará intervenção. A música, que tivera início há duas cenas anteriores, invade também toda essa cena, que dura aproximadamente 50 segundos.

CORTE

A cena seguinte mostra, em close-up, uma outra Fräulein, agora elegante, de chapéu negro, blusa branca de gola alta, broche na gola, luvas, colete e casaco negros, olhando obliquamente. Uma luz suave e impressionista acentua a atmosfera criada pelo olhar e trajes de Fräulein. Diferente daquela do quarto de pensão, vemos uma mulher que olha com uma curiosidade suspensa no olhar. Os últimos acordes da música encerram-se sobre sua figura.

CORTE

Em plano geral e câmera alta, vemos um carro parado em frente ao portão de ferro, ouvimos o ruído do motor, indicando o carro ligado, malas sobre o capô, um empregado vindo apressado abrir o portão. Sem que soubéssemos vimos todo o giro em torno da mansão da cena anterior, da perspectiva de Fräulein que, de dentro do carro, observava o lugar para onde estava indo. Será o seu olhar, o seu ponto de vista, a sua subjetividade que nos guiará até o final do filme. Sua presença ativa orientará o desvendamento dos outros personagens e o surgimento da atmosfera sócio-cultural em que vivem. E se a primeira cena em que Fräulein faz o acordo de trabalho com Souza Costa nos mostra a mulher dividida entre o homem-da-vida e o homem-do-sonho - alemão - como faz o romance, essa Fräulein de chapéu negro irá, no decorrer do filme, muito por causa da música que a tematiza, recortando-se aos nossos olhos mais como mulher-do-sonho, já delineada pelo olhar da mulher que se encosta na porta, quando Souza Costa sai, pela escolha de seus trajes e seu jeito de olhar, quando se apresenta na casa.

Uma mulher-imagem, mulher-som, mulher-luz, irá se recortando ao espectador. Quase uma realidade onírica. Cinema. Mais audiovisual do que escrita. Justa aos movimentos da criação cinematográfica. Fato revelador de que, embora literatura e cinema construam sintaxes transitivas, cada linguagem sempre traçará suas específicas rotas de criação artística.

Se o cinema está impregnado da literatura, a literatura moderna sorve os ritmos e modos do fazer cinematográfico. Linguagens convergentes, cinema e literatura são linguagens do nosso viver urbano, contemporâneo, que se fixam em nossa memória e nos educam cotidianamente.

Obviamente, a arte literária narrativa com séculos de elaboração estilística, constitui-se em uma referência ao cinema. Interessante é notar o caminho inverso: a estética do cinema, aos poucos, invadindo e interagindo com a estética literária. Pasolini, autor de obras literárias e cinematográficas, reconhece em sua literatura, o modo de criação do cinema: Minha paixão pelo cinema está intimamente ligada à minha formação, a tal ponto que, quando releio hoje certas obras literárias minhas, produzidas bem antes de meu primeiro filme, elas me parecem ter sido escritas com a descrição dos travellings, seqüências etc.

É preciso repetir que essas duas linguagens da arte influenciam-se mutuamente e participam da educação do homem contemporâneo. Educação que se processa de forma espontânea, natural ou formalizada nas instituições educacionais.

Educação espontânea, pois a literatura e o cinema estão ao alcance de quem estiver interessado em ler um livro ou assistir a um filme dentro de casa ou nos lugares que se freqüentam diariamente. Um garoto de sete anos sabe ler um filme através de sua montagem, nos diz Marguerite. Duras. E se o livro supõe um acesso a ele para que nos tornemos leitores, o cinema requer uma prática para que nos tornemos espectadores.

Educação formal, quando essas linguagens, migradas para as instituições educacionais, passam pelo crivo de uma equipe ou de um professor que planeja uma metodologia de abordagem tanto a um livro programado para leitura, quanto a um filme.

Walter Benjamin, já em 1931, diz em sua Pequena História da Fotografia que o analfabeto do futuro não será aquele que não sabe escrever, e sim quem não sabe fotografar, pois sejamos de direita ou de esquerda, temos de nos habituar a ser vistos. Temos de nos educar a ver os outros, em close-up, em plano geral, em câmera lenta e em tantas outras técnicas de captação das imagens. Temos de nos educar a ver a realidade construída e mediada pelas tecnologias de reprodução das imagens e dos sons. Uma realidade montada de forma nada inocente dentro dos estúdios do cinema e da televisão.

Se a Escola já carrega uma tradição de alfabetização da linguagem literária, tem, agora, o desafio de alfabetizar-se e alfabetizar na linguagem das imagens e sons em movimento. Aprender a vê-las demoradamente, quadro a quadro, interagindo com sua sintaxe. Se nós olhamos as imagens, elas também nos observam e nos perguntam: "Trouxeste a chave?".

E, quando a Escola realiza um trabalho, conjugando harmoniosamente a linguagem literária com as imagens e sons em movimento do cinema, é o aluno/leitor/espectador quem ganha. Tanto o leitor-espectador de literatura poderá ver iluminadas e animadas as cenas e imagens descritas no texto escrito, quanto o espectador-leitor de cinema poderá imaginar em palavras as imagens e sons materializados na tela.

Referências biblio-filmográficas:

Andrade, Mário de. Amar, Verbo Intransitivo, BH/RJ, Villa Rica, 1995.

Costa, Antonio. Compreender o Cinema, coleção dirigida por Umberto Eco, 2ª ed., SP , Globo, 1989.

Comparato, Doc. Da Criação ao Roteiro, Lisboa, Editora Pergaminho, 1993.

Lição de Amor, direção de Eduardo Escorel, baseado na obra de Mário de Andrade, Amar, Verbo Intransitivo, Brasil, 1976.

Xavier, Ismail (org.). A Experiência do Cinema, Rio de Janeiro, Edições Graal: Embrafilme, 1983.

NOTAS:

* Dra. em Educação pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Pesquisadora do Lab. de Estudos Audiovisuais OLHO - Faculdade de Educação - Unicamp.

  1. Em A Experiência do Cinema (org. Ismail Xavier) - "O Cinema e as Letras Modernas", p. 269.
  2. Extraído de publicação feita pela Embrafilme, Lição de Amor, p. 5.
  3. Em "Uma Difícil Conjugação", prefácio a Amar, Verbo Intransitivo, escrito por Telê Porto Ancona Lopez, p.13.
  4. idem, p.15.
  5. AVI é abreviatura de Amar, Verbo Intransitivo.
  6. V.Pudovkin distingue Cena de Seqüência: "O roteiro de filmagem completo é dividido em seqüências, cada seqüência dividida em cenas e, finalmente, as cenas mesmas são construídas a partir de séries de planos, filmados de diversos ângulos (...) esses pedaços ou planos, são trabalhados de maneira a dotar as cenas de uma ação que as interligue, as cenas separadas são agrupadas de forma a criar seqüências inteiras. A seqüência é construída (montada) a partir das cenas. Suponhamos que temos a tarefa de construir a seguinte seqüência: dois espiões se arrastam sorrateiramente em direção a um paiol de pólvora, no intuito de explodi-lo; no caminho, um deles perde um papel com as instruções. Alguém acha o papel e avisa o guarda que chega a tempo de prender os espiões e evitar a explosão. Neste caso, o roteirista tem que lidar com a simultaneidade das várias ações acontecendo em lugares diferentes." , em A Experiência do Cinema (org. Ismail Xavier) - "Métodos de Tratamento do Material (Montagem estrutural), p.57/65.
  7. Corte=> passagem direta de uma cena para outra. Ver Doc Comparato, Da Criação ao Roteiro, p.276.
  8. "A figura humana é enquadrada de meio busto para cima." Em A . Costa, Compreender o Cinema, p. 181.

Comments (7)

Anonymous said

at 8:50 pm on Sep 11, 2007

Pessoal, legal as questões que vocês levantaram e os textos selecionados. Abraços profa.

Anonymous said

at 11:01 am on Sep 12, 2007

Gente, extremamente completo o trabalho de vocês. Eu, particularmente, uso filmes em sala de aula para trabalhar questões diversas. É lúdico, proporciona a apropriação de conceitos de modo mais claro, uma vez que o cinema apresenta vivências variadas, enfim, é extremamente útil, produtivo e uma ferramenta excelente na transmissão de conhecimentos.Gostei muito da idéia e das informações contidas no trabalho.

Anonymous said

at 11:07 am on Sep 12, 2007

Pessoal, está muito bom o trabalho. Eu mesma, várias vezes, já assisti a filmes em sala de aula. Acredito que é uma forma descontraída de aprender e vivenciar outras experiências. Com certeza, usarei filmes para ensinar os meus alunos. Abraços.

Anonymous said

at 11:09 am on Sep 12, 2007

Muito legal a abordagem sobre cinema e literatura. Como sou da Letras, achei bem interessante.

Anonymous said

at 1:12 pm on Sep 12, 2007

Gostei muito do trabalho, as dúvidas e certezas muito bem formuladas, o conteúdo desenvolvido de maneira interessante, parabéns.
D.B.

Anonymous said

at 11:07 am on Sep 17, 2007

O trabalho está ficando cada vez melhor... Parabéns!

Anonymous said

at 10:31 am on Oct 10, 2007

Eu acho muito interessante esse assunto e acho que conseguiram trabalhar ele bem.
Beijos

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